Por ser um individuo que ainda mantém uns níveis razoáveis de melatonina, capaz de respeitar com relativa facilidade os ciclos diurnos e nocturnos, achei por bem não assistir à última cerimónia dos Globos de Ouro em directo. O plano, irrepreensível, passava por dormir uma noite bem dormida, acordar uma manhã bem acordada, e, ao sair da cama, saltar para o computador e ver nos sites indicados quem tinha ganho o quê. O esquema não exigia muito esforço e, em anos passados, até tinha resultado com sucesso. Este ano marca um ponto de viragem na abordagem.
Na manhã seguinte ao evento, ao escrever golden globes no separador de notícias do motor de busca, duas coisas saltaram à vista. Que A Rede Social tinha feito das suas e Ricky Gervais também. Surpreendente mesmo foi a quantidade de feeds a reportar para a balbúrdia no oeste provocada por Gervais, em comparação com os links para os vencedores da noite. Até perceber que o filme de David Fincher havia arrecadado quatro galardões, foi o ver se te avias. Quando chegámos a essa conclusão, já tínhamos lido as declarações de três agentes de Hollywood desagradados com a prestação do comediante, cinco críticas de afamados actores agastados com a situação, e o lamento de um operador de câmara que ficou sem bateria antes de Mila Kunis chegar à passadeira vermelha. Desbravar caminho rumo à lista dos vencedores não foi tarefa fácil – e a tentação de ver que raio tinha dito o britânico não ajudava –, contudo, lá se chegou. E, uma passagem na diagonal pelo rol de premiados bastou para perceber que mais valia ter ficado a meio da viagem.
Quase dois dias depois da cerimónia, parece que Gervais ganhou o Globo de Melhor Actor e o resto é paisagem. A verdade é que, quiçá ofuscados pelo estralhadaço provocado pelo co-autor de The Office, poucos têm sido aqueles a apontar para aquilo que de verdadeiramente gritante se passou este Domingo. Não, não estamos a falar das sete nomeações de O Discurso do Rei que só resultaram na vitória de Colin Firth. Nem tão pouco nos referimos ao triunfo de Glee sobre Uma Familia Moderna – Emmy para um lado, Globo para o outro, no final ficam todos amigos. Inadmissível é que A Origem tenha abandonado o Beverly Hills Hotel com tantos globos quanto os que tinha à entrada. Depois da distinção da National Board of Review, e de ter limpo os círculos de críticos de Nova Iorque, Los Angeles, o National Society of Film Critics, o Southeastern Film Critics e o Critics Choice, era expectável que o filme baseado na vida e obra de Mark Zuckerberg ganhasse, pelo menos, o Globo de Ouro na principal categoria. Agora, uma coisa é o dedo. Outra é a mão. E, ainda outra, o braço.
Título de inquestionável valor, A Rede Social tem lugar reservado na História da sétima arte. A temporada de prémios de 2011 tem sido prova disso mesmo, e, caso os Guilds corram tão bem quanto a fase de críticos, o filme de Fincher pode varrer a concorrência como nunca feito. Agora, estará este título assim a tantos anos-luz dos demais? Ainda com muitos dos ilustres adversários por estrar nas salas nacionais, arriscamos dizer que não. Contudo, até damos de barato que o Facefilm ganhe, em todas as cerimónias que restam da temporada, o troféu na principal categoria. Agora, inaceitável é que o alquimista Christopher Nolan não veja reconhecidos, pelo menos, os seus talentos de argumentista.
O guião de Aaron Sorkin pode ser escorreito, convincente e sólido. Sorkin até pode ter tido a perspicácia de adaptar apenas o que era adaptável, e ter redigido a única versão da realidade capaz de agradar a gregos e troianos – protagonistas e audiência, entenda-se. As referências estão lá, e o argumentista acaba por deixar a papa bem feita para Fincher filmar. Agora, dêem-se as voltas que se queira dar, apesar de rimar com original, tudo o que tenha a ver com melhores argumentos dessa espécie deve ir parar às mãos de Nolan, e não de A Rede Social. E, chocante no meio disto tudo, é que o discurso de Gervais é que está a deixar a malta em alvoroço. Ninguém se apoquenta com a audácia e criatividade não recompensada de Nolan. Gervais é que é o mau da fita. Não os que fizeram uma cruz à frente de Sorkin. Até o operador de câmara já veio dizer que foi o Gervais que lhe gamou a bateria. Palavra de honra. Voltaremos a este tema seguramente nos próximos tempos. Se não levar o Oscar para casa, no que toca a greves, Nolan tem carta branca para fazer quantas e quando quiser.
Alvy Singer