20.1.11

A missão do João.


A música tem mais de um ano, mas só há pouco se deu o tropeção. Melhor, já nos havíamos cruzado, mas nunca com olhos de ver. A verdade é que, desde que a letra se dissociou da música, para entrar no aparelho auditivo, o resultado tem sido um incremento exponencial, ali num intervalo de cinco-dez minutos, na motivação para ver um filme. Seja ele qual for. Digamos que, se houver por ai afrodisíacos cinematográficos, a canção dos João Só e Abandonados está seguramente entre os melhores.

A abrir as hostilidades, a música começa com um rima onde baralhado joga com filme alugado. Caramba. A ideia de alguém alugar um filme é quase tão romântica quanto a ideia de alguém sentado a escrever a letra para uma melodia, e lembrar-se que houve um tempo em que filme alugado era a única maneira de ver o que não se tinha apanhado nas salas.

Logo a seguir, props ao Mestre Lee. A vontade de ver Enter the Dragon aumenta ali logo uns 200%. Mais à frente fala-se de efeitos especiais, mercúrios a subir – numa clara alusão ao filme de Harold Becker com Bruce Willis –, e marcianos – que poderão advir de inúmeras películas, mas que pelo título da música nos lembram, por efeito de primazia, os simpáticos alienígenas de Tim Burton. Sim, porque a canção chama-se A Marte. Dezasseis. É este o número de vezes que se diz, durante a música, que alguém vai a Marte. E, ir a Marte só pode significar uma coisa. Brian de Palma. Daí este desejo insaciável, quando a música chega ao fim, de ver Os Intocáveis.

Alvy Singer

Quando nada é melhor que alguma coisa.


O filósofo espanhol Fernando Savater defende com unhas e dentes que dizer o que queremos é diferente de dizer a primeira coisa que nos vem à cabeça. E, crédito lhe seja dado, tem razão. A constatação até pode parecer óbvia, quando nos lembramos da quantidade de vezes que dissemos a primeira coisa que nos passou pela mente, quando não era verdadeiramente isso que pretendíamos verbalizar. Ainda hoje, este que se assina passou pela embaraçosa experiência.

Em pleno posto de trabalho, onde excelência e sucesso não devem ser antónimos de discrição, uma colega perguntou o que queria dizer Savvy. Duas pessoas ouviram a questão. Uma delas cresceu e viveu na África-do-Sul cerca de quinze anos. A outra domina a linha de Sintra há mais de vinte. Após uma rápida troca de olhares entre os dois sujeitos à questão, um idiota, de sorriso rasgado, responde, Isso é o que diz o capitão Jack Sparrow. A inquisidora, agradada com a memória reavivada, retorque, igualmente com um sorriso, e olhando para o vazio, Pois é. Três segundos volvidos, a última interveniente responde que não existe em português palavra que lhe corresponda. Obrigado, diz a colega, sem aparentar preocupação por ter de seguir outro rumo.

Chegado a casa, após uma pesquisa rápida, venho a descobrir que savvy deriva do português (!) sabe. Posto isto, podemos tirar duas ilações. Que Jack Sparrow será recordado por muitos e bons anos, e que um pouco de cultura cinematográfica é sempre tão útil quanto um par de havaianas na Antártida.

Alvy Singer

19.1.11

Cataway.


Boletim informativo à la agência Lusa. Anne Hathaway será Selina Kyle, o mesmo é dizer, Catwoman, enquanto Tom Hardy será Bane, o vilão. Christopher Nolan decide pegar numa personagem criada no início dos anos noventa, bastante diferente da maioria dos clássicos adversários do morcego negro, e The Dark Knight Rises começa assim a ganhar forma.

O vilão seleccionado por Nolan levanta algumas questões. Primeiro, por ser um daqueles que, por mais do que uma vez, veste a camisola dos bons e luta contra os maus ao lado de Batman. Em segundo lugar, por estar associado a R’as al Ghul, uma personagem que traz consigo a filha, Talia al Ghul, o que pode dar aqui uma grande mixórdia com Selina Kyle. Neste momento, nada está garantido, a não ser a presença de Hathaway e Hardy. Se veremos ou não Catwoman, é ainda uma incógnita. Quem será o interesse amoroso de quem, também é melhor não avançar com grandes prognósticos. Fiquemo-nos pela convicção de que o casting foi um tiro certeiro, e que no Verão do próximo ano Nolan dará por concluída uma das melhores trilogias da História do Cinema.

Alvy Singer

Muda a fita, e passa o mesmo.


Ainda não foi desta. Mas, não percamos a esperança. Da última vez que a comunidade científica se debruçou sobre o tema, concluiu-se que, por existir um A indefinido e um B desconhecido, o Universo continua a ser visto como entidade infinita. O problema é se surge um C que estava escondido, ou um A’ que deriva de A absoluto e transforma isto tudo numa história com principio, meio e fim. Contudo, não nos preocupemos com questões triviais. O universo infinito era o cerne da questão, e a ele importa regressar. Ora, isto obriga a que espaço e tempo sejam, também eles, quer querem, quer não, infinitos. Para o Cinema português não é tão significante que o espaço seja infinito. Agora, o tempo, convém.

Pelas nossas contas, a próxima será a 83ª edição dos Oscars. Número de nomeações do cinema luso na categoria de Melhor Filme Estrangeiro? Pois bem, é pegar nas duas que Eduardo Serra apresenta no seu currículo e tirar-lhes, deixem ver, só um bocado, parece que, pois, é isso, duas. O que dá um zero absoluto – neste particular, deveria ser a comunidade científica a olhar mais para o cinema português, e não o inverso.

Esta é a short-list, hoje dada a conhecer, com os nove candidatos às cinco nomeações para a edição do próximo dia 27 de Fevereiro, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro.

Algéria (“Outside the Law”)
Canada (“Incendies”)
Dinamarca (“In a Better World”)
Grécia (“Dogtooth”)
Japão(“Confessions”)
México (“Biutiful”)
África do Sul (“Life Above All”)
Espanha (“Even the Rain”)
Suécia (“Simple Simon”)

Enquanto Biutiful, Incendies e In a Better World confirmam a sua condição de favoritos, Dogtooth – só pelo nome já ganhou o nosso afecto –, eleva o cinema grego a patamares inesperados. Há quem alegue que houve marosca da Academia em salvar aqui o título da Grécia, e que Confessions, do Japão, se desenrascou dentro do mesmo saco. Epá, então que a malta diga o que é preciso fazer, que do lado de cá nos arranjamos para realizar um filme a dar para o decente, e depois é só o pessoal de Hollywood encarrega-se de ir safando os votos. É que se isto do tempo for de facto infinito, dava jeito que alguém se mexesse. Parecendo que não, a eternidade é coisa para demorar e, por este andar, a comitiva portuguesa arrisca-se a ser a única a ficar à porta na sede da ONU todas as sextas-feiras à noite, para todo o sempre. É que, mais ano menos ano, algum membro nas Nações Unidas vai lembrar-se de criar para esse dia a Oscars Winners Party, e não vai ser bonito ver 191 estados membros em plena folia, e um solitário a chuchar no dedo. Já agora, por falar nisso, aqui fica o trailer de Thumbsucker. É de 2005, mas pouca gente lhe passou a vista em cima.


Alvy Singer

Filmes trocados.


Por ser um individuo que ainda mantém uns níveis razoáveis de melatonina, capaz de respeitar com relativa facilidade os ciclos diurnos e nocturnos, achei por bem não assistir à última cerimónia dos Globos de Ouro em directo. O plano, irrepreensível, passava por dormir uma noite bem dormida, acordar uma manhã bem acordada, e, ao sair da cama, saltar para o computador e ver nos sites indicados quem tinha ganho o quê. O esquema não exigia muito esforço e, em anos passados, até tinha resultado com sucesso. Este ano marca um ponto de viragem na abordagem.

Na manhã seguinte ao evento, ao escrever golden globes no separador de notícias do motor de busca, duas coisas saltaram à vista. Que A Rede Social tinha feito das suas e Ricky Gervais também. Surpreendente mesmo foi a quantidade de feeds a reportar para a balbúrdia no oeste provocada por Gervais, em comparação com os links para os vencedores da noite. Até perceber que o filme de David Fincher havia arrecadado quatro galardões, foi o ver se te avias. Quando chegámos a essa conclusão, já tínhamos lido as declarações de três agentes de Hollywood desagradados com a prestação do comediante, cinco críticas de afamados actores agastados com a situação, e o lamento de um operador de câmara que ficou sem bateria antes de Mila Kunis chegar à passadeira vermelha. Desbravar caminho rumo à lista dos vencedores não foi tarefa fácil – e a tentação de ver que raio tinha dito o britânico não ajudava –, contudo, lá se chegou. E, uma passagem na diagonal pelo rol de premiados bastou para perceber que mais valia ter ficado a meio da viagem.

Quase dois dias depois da cerimónia, parece que Gervais ganhou o Globo de Melhor Actor e o resto é paisagem. A verdade é que, quiçá ofuscados pelo estralhadaço provocado pelo co-autor de The Office, poucos têm sido aqueles a apontar para aquilo que de verdadeiramente gritante se passou este Domingo. Não, não estamos a falar das sete nomeações de O Discurso do Rei que só resultaram na vitória de Colin Firth. Nem tão pouco nos referimos ao triunfo de Glee sobre Uma Familia Moderna – Emmy para um lado, Globo para o outro, no final ficam todos amigos. Inadmissível é que A Origem tenha abandonado o Beverly Hills Hotel com tantos globos quanto os que tinha à entrada. Depois da distinção da National Board of Review, e de ter limpo os círculos de críticos de Nova Iorque, Los Angeles, o National Society of Film Critics, o Southeastern Film Critics e o Critics Choice, era expectável que o filme baseado na vida e obra de Mark Zuckerberg ganhasse, pelo menos, o Globo de Ouro na principal categoria. Agora, uma coisa é o dedo. Outra é a mão. E, ainda outra, o braço.

Título de inquestionável valor, A Rede Social tem lugar reservado na História da sétima arte. A temporada de prémios de 2011 tem sido prova disso mesmo, e, caso os Guilds corram tão bem quanto a fase de críticos, o filme de Fincher pode varrer a concorrência como nunca feito. Agora, estará este título assim a tantos anos-luz dos demais? Ainda com muitos dos ilustres adversários por estrar nas salas nacionais, arriscamos dizer que não. Contudo, até damos de barato que o Facefilm ganhe, em todas as cerimónias que restam da temporada, o troféu na principal categoria. Agora, inaceitável é que o alquimista Christopher Nolan não veja reconhecidos, pelo menos, os seus talentos de argumentista.

O guião de Aaron Sorkin pode ser escorreito, convincente e sólido. Sorkin até pode ter tido a perspicácia de adaptar apenas o que era adaptável, e ter redigido a única versão da realidade capaz de agradar a gregos e troianos – protagonistas e audiência, entenda-se. As referências estão lá, e o argumentista acaba por deixar a papa bem feita para Fincher filmar. Agora, dêem-se as voltas que se queira dar, apesar de rimar com original, tudo o que tenha a ver com melhores argumentos dessa espécie deve ir parar às mãos de Nolan, e não de A Rede Social. E, chocante no meio disto tudo, é que o discurso de Gervais é que está a deixar a malta em alvoroço. Ninguém se apoquenta com a audácia e criatividade não recompensada de Nolan. Gervais é que é o mau da fita. Não os que fizeram uma cruz à frente de Sorkin. Até o operador de câmara já veio dizer que foi o Gervais que lhe gamou a bateria. Palavra de honra. Voltaremos a este tema seguramente nos próximos tempos. Se não levar o Oscar para casa, no que toca a greves, Nolan tem carta branca para fazer quantas e quando quiser.

Alvy Singer

18.1.11

Love - Trailer.


O louro de olhos azuis está para a estética, assim como a coroa de festivais e ainda sem distribuição está para o Cinema. O filme pode ser atraente. Mas, se o poster trouxer com ele a informação de que a obra passou para um festival, e soubermos ainda que nenhum estúdio conseguiu farejar no potencial do produto os dólares suficientes para lhe deitar a mão, melhor ainda. Aí, passa imediatamente a figurar na nossa lista de imperdíveis. Bem, imperdíveis também não. Convém primeiro dar uma olhadela ao trailer, e ver se a coisa tem bom aspecto. Feitas as contas, é isto que se passa com Love, de William Eubank – que acumula aqui as funções de realizador, argumentista, director de fotografia e production designer (na dúvida entre ser mais farsola traduzir à letra ou deixar ficar, deixa-se ficar).

O filme relata as peripécias do astronauta Lee Miller (Gunner Wright) que, após perder o contacto com a Terra, fica retido em órbita a bordo da estação espacial internacional. À medida que o tempo passa, e com os sistemas de suporte de vida a perderem qualidade, Lee digladia-se consigo mesmo para manter a sanidade – e, simplesmente manter-se vivo. O seu mundo não passa de uma solitária e claustrofóbica existência, até ao dia em que descobre algo estranho dentro da estação.

A primeira impressão é a de um 2001 meets Solarys meets The Fountain meets Moon meets Há Lodo no Cais – momento Rua Sésamo: Qual destes não pertence ao grupo? A ver vemos se o filme chega às salas norte-americanas, e se se porta bem. Pois, ou muito nos enganamos, ou este é daqueles em que o cinéfilo lusitano é que fica retido em órbita à espera da estreia infinita.

Alvy Singer

17.1.11

Better Man.


Uma reflexão tão longa quanto um monólogo de Edward R. Murrow levou-nos a concluir que podíamos começar este blog de três maneiras e meia. A primeira, a melhor. Entrar a matar. Com justa causa, bem se entenda. Aquela que se aplica, que tem propósito, que acrescenta e seduz. Aquela que recebe com flashes e flutes, num rol de esclarecimentos convenientes, estendidos no fim sob a forma de tapete vermelho luzidio, que não deixa outra opção ao visitante, semente do acaso, senão a de regressar a local de tão rigoroso festim. Após minucioso escrutínio concluímos que o melhor seria não seguir com a melhor opção.

A esta, seguia-se a segunda melhor maneira possível. Conhecida por responder tanto quanto questiona, esta é aquela que deixa no dito visitante, agora já menos semente e muito mais flor, o travo agridoce da curiosidade. Percorrer este rumo seria injusto. Juraríamos sem cumprir, e enunciaríamos altos valores que deste blog não se esperam. Exemplo desta via seria prometer um enriquecimento da cultura cinematográfica alheia. Pois bem, a não ser que este blog arranjasse fórmula para apagar as luzes do outro lado da fibra, e pôr a passar por esses lares dos visitantes flor a fora, diferentes obras da sétima arte, tal tarefa jamais será cumprida. Afirmar que Maximilian Schell ganhou um Oscar de Melhor Actor, em 1961, pela sua interpretação em O Julgamento de Nuremberga, não é enriquecer a cultura cinematográfica. Enriquecê-la é ver o filme. Aliás, a pergunta que o leitor deverá colocar-se é, Não estará esta cultura de natureza não cinematográfica, veiculada por este tipo de blog de cariz duvidoso, a ocupar espaço que deverei reservar para informação mais relevante, nomeadamente do foro profissional? Quem responder positivamente a esta questão, provavelmente não voltará a este espaço. Foi um prazer. Tal como havia acontecido com a primeira, achámos por bem não abraçar este caminho. Não nos ficamos por segundas escolhas.

A terceira escolha seria o equivalente a estar na fila do Cinema para comprar bilhete, num qualquer centro comercial com dez salas, para, ao chegar a nossa vez, ficarmos a saber que nove deles estão esgotados, e o único com lugares ainda por vender é aquele que assinala a décima sétima colaboração entre Adam Sandler e Rob Schneider, mas só para a primeira fila, ao canto. Não se usa. Era o mesmo que espetar com um clip de Ana e as Suas Irmãs tirado do Youtube, e dizer, Ora, boa noite, aqui está um blog que se propõe a falar de filmes e afins, mas que por falar entende deixar que os clips falem por si. Haverá noites assim. Mas, não a primeira. Por isso é que não seguimos com a terceira opção. Azar dos azares. Porque o tipo de visitante que dá de caras com esta opção não costuma ser semente nem flor. Já é fruto do acaso.

Restava-nos a meia. Aquela que não era verdadeiramente opção, mas que se tinha maquilhado bem e, à distância, parecia uma. A miopia tem destas coisas. Embacia o horizonte. Ao perto, confirmou-se. Não passava de um fanico. Pena. Ao longe prometia tanto. Ainda assim, o potencial para ser melhor do que a melhor, segunda melhor e terceira melhor opções era bastante superior. Sem hesitar, foi nesta que se pegou. Tem a ver com Cinema? Uma espécie de. É de hoje? Não, há mais frescas. Assume-se como cartão-de-visita do blog? Pode-se dizer que sim.

Um dos cineastas mais maganos que por aí anda, que tanto faz as delicias deste que se assina, verá o seu mais recente trabalho chegar às salas. E, muitas. Cameron Crowe passou uns dias a beber whisky com Eddie Vedder e a assistir a uns quantos concertos dos Pearl Jam à pala, e no final virou-se para os estúdios de Hollywood a dizer que tinha um documentário em carteira chamado Pearl Jam Twenty. Se alguém fizesse o favor de pegar, Crowe agradecia. Parece que alguém pegou, e a coisa vai ser lançada em larga escala. A confirmação já tem uns dias, daí que não seja uma verdadeira opção. Contudo, não poucas vezes, uma meia meia feita e outra meia por fazer fazem mais que uma inteira sem o ser.

Alvy Singer